domingo, 16 de outubro de 2011

Minas Gerais é toda bantu?

                         Escravas da Mina de Morro Velho, final do século XIX.
                       


Minas só, não. O Brasil é bantu.

Por volta de novembro de 2002, os confrades Falabella e Lasmar, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG, enviaram-me matéria publicada no Jornal do Brasil, onde pude ter notícia da maravilhosa pesquisadora e etnolinguista baiana Yeda Pessoa de Castro.


Currículo nacional e internacional para acadêmico nenhum botar defeito, Yeda, no dizer da jornalista Eliane Azevedo, explodiu a polêmica: “o idioma que se fala no Brasil não é europeu.

Trata-se de um português africanizado - uma extraordinária convergência entre o banto (grupo etnolingüístico da África meridional) e a língua de Camões. ''No encontro entre as línguas africanas e o português arcaico, em lugar de surgir um conflito, houve um nivelamento, um processo de africanização'', garante a ex-diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante do Comitê Científico Brasileiro do Projeto Rota do Escravo, da Unesco.

Yeda não poupa filólogos e estudiosos acadêmicos para apontar que só o preconceito etnocêntrico fez com que palavras que garante ser banto, como mocotó e moranga, tenham atribuição indígena nos dicionários. E que só se estudou a cultura iorubá porque era um povo que tinha escrita[4]. 

''Chegou-se a um estereótipo de que os iorubás eram superiores. Zumbi dos Palmares era banto, mas, no filme de Cacá Diegues, os palmarinos falam iorubá, quando não havia um deles ainda no Brasil'', argumenta, furibunda[5]. A tese de Yeda está exposta no recém-lançado Falares africanos na Bahia (Topbooks, 368 págs.) - que o colunista do Jornal do Brasil Millôr Fernandes classifica como sua ''atual bíblia''.

Yeda tem mesmo total razão.

Segundo números tabulados por Maurício Goulart[6], o maior pico de sudaneses ocorreu em 1720, 60,22% da população negra, quando começou a decrescer velozmente ante o crescimento dos bantus que chegaram a ser 86,41% em 1790, contra apenas 13,59% de sudaneses.

DÉCADA
SUDANÊS
% S/TOT
BANTU
% S/ TOT
TOTAL
MÉDIA ANO
1701-1710
83,700
54.46
70,000
45.54
153,700
15,370
1711-1720
83,700
60.22
55,300
39.78
139,000
13,900
1721-1730
79,200
54.14
67,100
45.86
146,300
14,630
1731-1740
56,800
34.20
109,300
65.80
166,100
16,610
1741-1750
55,000
29.71
130,100
70.29
185,100
18,510
1751-1760
45,900
27.10
123,500
72.90
169,400
16,940
1761-1770
38,700
23.51
125,900
76.49
164,600
16,460
1771-1780
29,800
18.47
131,500
81.53
161,300
16,130
1781-1790
24,200
13.59
153,900
86.41
178,100
17,810
1791-1800
53,600
24.19
168,000
75.81
221,600
22,160
1801-1810
54,900
26.62
151,300
73.38
206,200
20,620
TOTAIS
605,500
32.01
1,285,900
67.99
1,891,400
189,140
Méd/Década
55,045
32.01
116,900
67.99
171,945
17,195

Mas não é só. Duas questões há a acrescentar:

a) os números acima provavelmente abranjam também São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso e não apenas as Minas, onde é provável que o número de sudaneses fosse menor ainda;

b) no caso de Minas, não só os pretos eram em maioria bantu, como os próprios brancos, mormente os chamados de “ilhéus”, cuja maioria, na verdade vinha de Angola, Moçambique e outras possessões bantos da África, de onde conheciam as línguas por serem naturais ou moradores de longa data nessas colônias portuguesas.


Neste sentido, não nos esqueçamos de que hoje não é mais mera tese de que o povo brasileiro, até a descoberta das Minas, falava quase que exclusivamente a língua geral. Assim, no outro lado da moeda, mais uma vez acertou na mosca a maravilhosa etnolinguista: “(...) o africano adquiriu o português como segunda língua e foi o principal responsável pela difusão da língua portuguesa em território brasileiro”[7].

Evidente que convivendo com os portugueses em Angola e Moçambique, esses bantus tinham pelo menos alguma noção do português, quando não o falavam correntemente.

[4] Yorobás não tinham escrita coisa nenhuma. Como ensina Yeda, islamizados que eram, só faziam copiar textos do alcorão em língua e caracteres árabes.

[5] O filme de Cacá Diegues teve que ser redublado, tirando-se-lhe a língua yorubá.

[6] Estimativa de Maurício Goulart, in Devassa da Devassa, de Keneth Maxwel, 1995, 4ª Impressão, pgs. 290/291.
[7] Falares Africanos na Bahia, pg. 78.

Escrito por Tarcísio José Martins   
Ter, 30 de Novembro de 1999

Foto:Blog da Anabela Jardim

Nenhum comentário:

Postar um comentário