sábado, 22 de outubro de 2011

DNA mapeia origem de brasileiros na África

Decodificação genética comprova estudos do historiador Tarcísio José Martins quanto à origem da população negra brasileira afirmados na primeira edição de seu livro, Quilombo do Campo Grande – A História de Minas roubada do povo, e confirmados na sua segunda edição ainda não lançada.

Somos bantus!


                                      Foto:Feira Preta 2010



 

Um estudo genético identificou, pela primeira vez por meio de DNA, as regiões da África que mais contribuíram para a formação do povo brasileiro.



29 de maio de 2007
O trabalho, liderado pelo médico geneticista Sérgio Danilo Pena, professor titular de bioquímica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), indicou que a maior parte dos ancestrais do grupo analisado veio do Centro-Oeste da África - região que inclui Angola, Congo e Camarões - seguida pelo Oeste (Nigéria, Gana, Togo, Costa do Marfim) e pelo Sudeste africano.
Segundo o estudo, que analisou o DNA mitocondrial dos indivíduos, 44,5% tinham uma ancestral no Centro-Oeste da África, 43%, no Oeste da África e 12,3%, no Sudeste, na região onde fica hoje Moçambique.


Chamado de marcador de linhagem, o DNA mitocondrial é passado pela mãe para os filhos. Na prática, o DNA mitocondrial de uma africana que viveu há 400 anos é idêntico ao de um descendente no Brasil, se não tiver havido nenhuma mutação.

Apesar de ter sido feito em um grupo de negros em São Paulo , o estudo tem uma representatividade nacional porque, com as migrações internas, durante e após a escravidão, a cidade se tornou, de certa forma, um caldeirão genético do Brasil.


Segundo Pena, a maior parte dos resultados confirma teses históricas sobre o tema, inclusive a descoberta mais recente de estudiosos de que Moçambique teve uma contribuição muito mais expressiva do que se acreditava antigamente.

Documentos queimados

Segundo o estudo, a origem dos escravos levados para o Brasil sempre foi um assunto nebuloso, sem documentação completa. Para evitar pedidos de indenização, documentos históricos sobre a escravidão foram queimados após a abolição, em 1888.
Acredita-se que entre 3,6 milhões e 4 milhões de escravos tenham sido trazidos para o Brasil entre 1550 a 1870. 


Mas não há dados, por exemplo, sobre o enorme número de africanos transportados ilegalmente após 1830, quando o Brasil assinou um tratado com a Inglaterra para acabar com o comércio de escravos. A falta dessas informações dificulta que se saiba, exatamente, de onde vieram africanos trazidos para o Brasil.


Além disso, o porto de embarcação, registrado nos arquivos, não reflete, necessariamente, a origem geográfica dos escravos que, muitas vezes, eram capturados no interior, a centenas de quilômetros do litoral.


'Cada porto drenava de uma área territorial grande. Às vezes, as pessoas eram capturadas e tinham de viajar mil quilômetros antes de chegar ao litoral', diz Pena, que também faz incursões pela história e pela antropologia social.

'Vingança do derrotado'

Para chegar aos números para cada região, Pena analisou as linhagens materna e paterna dos 120 indivíduos que participaram do estudo. O objetivo era chegar aos seus ancestrais mais distantes dos dois lados. 


Isso é possível pelo estudo do cromossomo Y, que só passa de pai para filho, e do DNA mitocondrial, que é herdado (pelos dois sexos) da mãe.


Esses marcadores de linhagem, salvo casos de mutação, não se misturam com os outros genes e mantêm-se praticamente inalterados ao longo das gerações.
Assim, um negro brasileiro 'carrega' no cromossomo Y informações genéticas do seu ancestral masculino de diversas gerações anteriores e no DNA mitocontrial, da ancestral feminina.

Bantus

Para discriminar as diferentes regiões, Pena contou com o princípio genético que chama de 'vingança do derrotado'.


Ele explica: um grupo chamado Bantu, que predominava no Oeste da África, espalhou-se pelo continente, e os homens passaram a se reproduzir com mulheres de outras regiões. 


Assim, o fruto desse 'cruzamento' passou a carregar também o DNA mitocondrial das mães, que acabaram deixando nos filhos gerados pelos homens do grupo dominador Bantu as informações genéticas sobre a região geográfica à que pertenciam.


'Quando o Bantu chega numa determinada região, ele, como dominador, se reproduz com as mulheres da região e aí o DNA mitocondrial das mulheres 'entra' na população Bantu. Por isso pudemos diferenciar os três grupos', afirma Pena.


Com a proibição do tráfico negreiro ao norte da linha do Equador, em 1815, a importância de Moçambique, no sudeste da África, como fonte de escravos aumentou e deixou uma marca genética expressiva nos descendentes de escravos no Brasil.


Segundo o estudo, 12,3% dos indivíduos analisados tinham uma ancestral materna na região onde fica hoje Moçambique, um percentual maior do que o esperado.


Apesar da marca genética importante, segundo o historiador Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a influência cultural dos moçambicanos na cultura brasileira foi muito mais sutil do que a de escravos de regiões mais ao norte do continente africano, que chegaram antes ao Brasil.


'Os moçambicanos foram os que menos preservaram sua memória. A reconstituição de comunidades africanas, misturadas a valores europeus – o sincretismo – tem uma dinâmica própria: quanto mais recente, menores as chances de que as comunidades se reproduzam e finquem raízes históricas', disse.

Legado

Segundo Florentino, por terem chegado ao Brasil mais tarde, os moçambicanos não tiveram o mesmo tempo que escravos de outras regiões para estabelecer laços entre famílias da mesma origem.


'Essa era uma tradição muito própria do cativeiro: a constituição de famílias escravas a partir de um critério endogâmico do ponto de vista étnico. Ou seja, um angola buscar uma angola , um mina buscar uma mina'.


'Os moçambicanos tiveram que se abrir, buscar esposas e maridos nascidos aqui ou escravos de outras regiões. Com isso, se pulverizou e enfranqueceu a possibilidade de que sua herança africana se reproduzisse', explicou Florentino.


A historiadora moçambicana Benigna Zimba, chefe do Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo , concorda com o historiador brasileiro.
'Os moçambicanos chegaram em um momento em que outras rotas de tráfico de escravos para o Brasil já estavam praticamente desenvolvidas. Isso fez com que a integração de Moçambique com o Brasil tenha sido problemática, porque trouxemos uma cultura que, de certa forma, teve de se adaptar à cultura de outros escravos que já estavam integrados', explicou.

Traços

Ainda que sem precisão, registros históricos já davam conta de um aumento expressivo da importância de Moçambique como fonte de escravos para o Brasil. 


'Eles representavam apenas 2% dos escravos no século 17, mas, com a interrupção do tráfico pelos ingleses ao norte da linha do Equador, o comércio no Sudeste da África cresceu e passou a representar cerca de 20% do total por volta de 1840', destacou Florentino, autor de vários livros sobre o tráfico e a escravidão.


Isto resultou, segundo o geneticista Sérgio Pena, em mais chances para os moçambicanos deixarem suas inscrições genéticas na população brasileira do que africanos que vieram antes, que, pelos maus tratos, tinham uma sobrevida muito curta no Brasil.
'A fecundidade era muito baixa até a melhora das condições de vida no século 19, quando medidas como a Lei do Ventre Livre começam a melhorar a expectativa de vida', disse Pena.


De acordo com o estudioso, muitas mulheres africanas que chegaram ao Brasil no século 16 e 17 não deixavam filhos, o que pode ter tido impacto no estudo das origens genéticas do povo brasileiro.

Cultura

Por outro lado, a herança cultural moçambicana 'se mistura a uma influência africana que está ela própria miscigenada com influências de culturas de outras partes da África', disse Zimba.


Em visita à Bahia , ela disse que viu no Brasil 'um pouco da maneira de se vestir, da alimentação, da forma espiritual, da dança, dos traços físicos, da forma de ser' dos nativos de Moçambique. A utilização do côco na comida, o uso de adereços e miçangas no vestuário, cultos como o makweana e o chisunpi remetem à cultura de Moçambique.
'Mas é difícil dizer se esta grande influência africana vem de uma região específica.'
Entretanto, sinais de que houve um valioso intercâmbio cultural também são evidentes em Moçambique. 'O Carnaval, por exemplo, é comemorado em Moçambique exatamente nas regiões que mais exportaram escravos para o Brasil, como o porto de Quelimane. Aí temos também a cultura de batata-doce, trazida pelos traficantes de escravos que vinham do Brasil.'


Uma vez que a troca cultural da era escravagista funcionou mais fortemente no sentido oposto, no entanto, a historiadora acredita que 'a busca da identidade deve se centrar muito mais no Brasil'.


Para Zimba, a busca de raízes americanas no continente africano pode ser uma iniciativa positiva. 'Depende da intenção. Há movimentos políticos que apenas respondem a certas modas da política. Mas, em geral, a busca da origem étnica é boa, no sentido de que ela aproxima os povos.'

FONTE: http://www.bbc.co.uk em 29-05-07 (reproduzido do http://www.cedefes.org.br)



*Desconhecemos a familia na foto

domingo, 16 de outubro de 2011

Minas Gerais é toda bantu?

                         Escravas da Mina de Morro Velho, final do século XIX.
                       


Minas só, não. O Brasil é bantu.

Por volta de novembro de 2002, os confrades Falabella e Lasmar, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG, enviaram-me matéria publicada no Jornal do Brasil, onde pude ter notícia da maravilhosa pesquisadora e etnolinguista baiana Yeda Pessoa de Castro.


Currículo nacional e internacional para acadêmico nenhum botar defeito, Yeda, no dizer da jornalista Eliane Azevedo, explodiu a polêmica: “o idioma que se fala no Brasil não é europeu.

Trata-se de um português africanizado - uma extraordinária convergência entre o banto (grupo etnolingüístico da África meridional) e a língua de Camões. ''No encontro entre as línguas africanas e o português arcaico, em lugar de surgir um conflito, houve um nivelamento, um processo de africanização'', garante a ex-diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante do Comitê Científico Brasileiro do Projeto Rota do Escravo, da Unesco.

Yeda não poupa filólogos e estudiosos acadêmicos para apontar que só o preconceito etnocêntrico fez com que palavras que garante ser banto, como mocotó e moranga, tenham atribuição indígena nos dicionários. E que só se estudou a cultura iorubá porque era um povo que tinha escrita[4]. 

''Chegou-se a um estereótipo de que os iorubás eram superiores. Zumbi dos Palmares era banto, mas, no filme de Cacá Diegues, os palmarinos falam iorubá, quando não havia um deles ainda no Brasil'', argumenta, furibunda[5]. A tese de Yeda está exposta no recém-lançado Falares africanos na Bahia (Topbooks, 368 págs.) - que o colunista do Jornal do Brasil Millôr Fernandes classifica como sua ''atual bíblia''.

Yeda tem mesmo total razão.

Segundo números tabulados por Maurício Goulart[6], o maior pico de sudaneses ocorreu em 1720, 60,22% da população negra, quando começou a decrescer velozmente ante o crescimento dos bantus que chegaram a ser 86,41% em 1790, contra apenas 13,59% de sudaneses.

DÉCADA
SUDANÊS
% S/TOT
BANTU
% S/ TOT
TOTAL
MÉDIA ANO
1701-1710
83,700
54.46
70,000
45.54
153,700
15,370
1711-1720
83,700
60.22
55,300
39.78
139,000
13,900
1721-1730
79,200
54.14
67,100
45.86
146,300
14,630
1731-1740
56,800
34.20
109,300
65.80
166,100
16,610
1741-1750
55,000
29.71
130,100
70.29
185,100
18,510
1751-1760
45,900
27.10
123,500
72.90
169,400
16,940
1761-1770
38,700
23.51
125,900
76.49
164,600
16,460
1771-1780
29,800
18.47
131,500
81.53
161,300
16,130
1781-1790
24,200
13.59
153,900
86.41
178,100
17,810
1791-1800
53,600
24.19
168,000
75.81
221,600
22,160
1801-1810
54,900
26.62
151,300
73.38
206,200
20,620
TOTAIS
605,500
32.01
1,285,900
67.99
1,891,400
189,140
Méd/Década
55,045
32.01
116,900
67.99
171,945
17,195

Mas não é só. Duas questões há a acrescentar:

a) os números acima provavelmente abranjam também São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso e não apenas as Minas, onde é provável que o número de sudaneses fosse menor ainda;

b) no caso de Minas, não só os pretos eram em maioria bantu, como os próprios brancos, mormente os chamados de “ilhéus”, cuja maioria, na verdade vinha de Angola, Moçambique e outras possessões bantos da África, de onde conheciam as línguas por serem naturais ou moradores de longa data nessas colônias portuguesas.


Neste sentido, não nos esqueçamos de que hoje não é mais mera tese de que o povo brasileiro, até a descoberta das Minas, falava quase que exclusivamente a língua geral. Assim, no outro lado da moeda, mais uma vez acertou na mosca a maravilhosa etnolinguista: “(...) o africano adquiriu o português como segunda língua e foi o principal responsável pela difusão da língua portuguesa em território brasileiro”[7].

Evidente que convivendo com os portugueses em Angola e Moçambique, esses bantus tinham pelo menos alguma noção do português, quando não o falavam correntemente.

[4] Yorobás não tinham escrita coisa nenhuma. Como ensina Yeda, islamizados que eram, só faziam copiar textos do alcorão em língua e caracteres árabes.

[5] O filme de Cacá Diegues teve que ser redublado, tirando-se-lhe a língua yorubá.

[6] Estimativa de Maurício Goulart, in Devassa da Devassa, de Keneth Maxwel, 1995, 4ª Impressão, pgs. 290/291.
[7] Falares Africanos na Bahia, pg. 78.

Escrito por Tarcísio José Martins   
Ter, 30 de Novembro de 1999

Foto:Blog da Anabela Jardim

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

"DO SAMBA AO FUNK DO JORJÃO" - de Spirito Santo

Spirito Santo, escritor, pesquisador e sambista, escreve um histórico comovente sobre a saga do samba no Brasil, uma visão diferente, do ponto de vista de quem habita desde criança — melhor, desde a vinda para o Brasil de seus ancestrais, provavelmente angolanos — o ambiente em que seu livro se desenrola. Spirito não poupa ninguém, menos ainda os seus próprios pares, enquanto imprime a seu livro a incendiária vitalidade das polêmicas sobre a origem do samba que conflagra amigavelmente as comunidades. Uma visão prazerosa e às vezes dolorosa, sempre apaixonada, compilada sob o formalismo informal de um estudo acadêmico em ritmo de… samba, onde dança a “norma culta” ao som do batuque e da cuíca, ngoma puíta, temperada de crítica inteligente.



Lançamento oficial 06 de Outubro de 2011 - 19.30hs -Livraria Cultura - Fashion Mall, São Conrado.